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No caminho das águas

Grande ABC tem 23.032 imóveis em áreas de risco para inundações; condição social leva à ocupação onde existe perigo, dizem especialistas

Joyce Cunha
18/12/2022 | 09:05
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Claudinei Plaza/DGABC


As cidades do Grande ABC têm 586 áreas de risco para inundações mapeadas pelo Instituto Geológico. De acordo com o levantamento de 2020, atualização mais recente, 23.302 imóveis estão em pontos onde há possibilidade de enchentes. Deste total, 5.457 edificações têm classificação de risco alto ou muito alto para ocorrências.

O município com maior número de imóveis nessas áreas é São Bernardo (9.019), seguido por Santo André (7.552) e São Caetano (4.299). Proporcionalmente, o território são-caetanense possui o maior índice de edificações em risco para inundação dentro das áreas mapeadas, com 68,5% dos 6.275 imóveis identificados no estudo do Instituto Geológico. 

Na Avenida Guido Aliberti, que margeia o Ribeirão dos Meninos, 482 edificações aparecem no mapa que alerta ao perigo, das quais 203 são classificadas com grau elevado de risco. A via foi o cenário de uma das dez mortes registradas no Grande ABC durante o temporal de 11 de março de 2019, uma das maiores tragédias climáticas na região e em todo o Estado. 

Naquele ano, foram seis afogamentos fatais nas enchentes, três em São Caetano, dois em Santo André e um em São Bernardo. Quatro pessoas perderam a vida em um deslizamento de terra no bairro São Caetaninho, em Ribeirão Pires. 

Nesta terceira reportagem que integra série especial do Diário sobre as tempestades de verão, serão apresentados fatores que contribuem para os alagamentos recorrentes na região e os esforços do Poder Público para reduzir o impacto das chuvas. 

O processo histórico de ocupação dos territórios, o desrespeito às leis de proteção ambiental e a ausência de políticas eficazes estão entre os aspectos que podem explicar o porquê, ano após ano, as cenas de enchente se repetem.

“São questões que têm início na urbanização que não respeitou a política que tínhamos no Brasil que era o Código Florestal, da década de 1960. Nele já existiam série de leis que proibiam construções em topo de morro, encostas e fundos de vale”, pontua Marta Marcondes, bióloga especialista em recursos hídricos e professora da USCS (Universidade de São Caetano).

“Estruturalmente, isso não é novidade. Se construir no topo do morro e na encosta, esse morro vai ficar instável e vai deslizar. Se você construir no fundo de vale, que é margem de rio. ele vai encher no período de cheia e a água vai para seu lugar de origem. O rio tem sua dinâmica. Temos também situação do avanço de empreendimentos imobiliários que não respeitaram isso e a falsa ideia de que a gente pode fazer o que quiser com o ambiente que ele não dará retorno nenhum”, destaca. 

Neste contexto de crescimento desordenado das cidades em espaços às margens de rios e córregos, desigualdades econômicas e sociais também são trazidas à tona. “Uma parte importante dessas ocupações são irregulares e o custo dessa terra é menor justamente por estar em fundo de vale. As pessoas que vão se localizar nessas áreas são as que menos têm condições de lidar com os riscos que estão colocados ali, porque elas já são pobres, já são vulneráveis, e além de tudo ainda estão expostas aos riscos de inundação”, ressalta a arquiteta e professora de planejamento territorial da UFABC (Universidade Federal do ABC), Luciana Rodrigues Travassos.

A especialista afirma que, do ponto de vista dos aspectos naturais, a inundação é um processo natural e sempre vai acontecer nos rios, em suas beiras. “Para resolver a ocupação de áreas de risco, de todas, não só inundação, a gente precisa de política séria de habitação, de controle do valor e acesso à terra com infraestrutura e segurança, e sabemos que esses acessos são muito desiguais no Brasil, de forma geral, e no Grande ABC de forma específica”, observa. 

Para as docentes, as políticas e investimentos públicos voltados ao controle e redução de inundações na região são insuficientes (confira mais informações abaixo). 

Poder público investe em drenagem e manutenção preventiva

As enchentes que todos os verões voltam a estampar as páginas dos jornais acontecem, segundo especialistas, pela combinação de fatores naturais e a forma como os territórios das cidades foram – e ainda são – ocupados. 

“Falando sobre áreas inundáveis, há três aspectos importantes. O primeiro é a estrutura hidrogeomorfológica, ou seja, o aspecto natural das bacias. O segundo é a forma como essas bacias foram ocupadas. E o terceiro está relacionado à forma como compreendemos as estruturas de drenagem urbana, enquanto sociedade, ciência e Estado”, explicou a professora de planejamento territorial da UFABC (Universidade Federal do ABC), Luciana Rodrigues Travassos. 

Para enfrentar as enchentes, municípios e governo estadual destinam recursos para obras de drenagem e manutenções preventivas, como limpeza córregos, rios, bocas de lobo, e de galerias de captação de água de chuva. Nos últimos dois anos, as prefeituras de Santo André e São Bernardo destinaram, juntas, por volta de R$ 87 milhões para intervenções estruturais. O Paço andreense afirma ter destinado R$ 53 milhões para reduzir o impacto das tempestades na cidade. Entre as ações estão melhorias no sistema de drenagem da Avenida dos Estados. 

Além disso, outros R$ 50 milhões foram investidos no pacote de obras do Complexo Viário Cassaquera, recurso que incluiu a canalização no córrego. 

Em São Bernardo, a prefeitura diz ter destinado, entre 2021 e este ano, R$ 34 milhões a serviços de manutenção dos sistemas de drenagem. As duas cidades, as maiores em território e em número de áreas de risco para inundação na região, somam 156 rios e córregos, 88.327 bocas de lobo, 937,8 quilômetros de galerias e canais subterrâneos.

A Prefeitura de Diadema afirma que está em fase final a canalização do córrego Grota Funda, com investimento de R$ 13 milhões. O córrego Olaria, segundo o Paço, deve ser desassoreado com custo estimado de R$ 9,1 milhões. As demais prefeituras não detalharam projetos e medidas preventivas contra inundações. São Caetano não respondeu aos questionamentos do Diário. 

Pelo Estado, além de 19 piscinões, que segundo o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) operam com 95% da capacidade no Grande ABC, e da construção do piscinão Jaboticabal, estão sendo destinados R$ 14 milhões para projetos de drenagem que contemplarão a região. 

Os esforços, entretanto, não são considerados suficientes por especialistas. “A gente tratou, historicamente, com a ideia de que o córrego canalizado não iria mais inundar. Durante o século 20 inteiro vimos que o discurso não se confirmou na prática. Aí introduzimos piscinões, que também têm limites de eficiência”, avaliou a professora Luciana sobre as políticas atuais.

A especialista defende medidas amplas para todas as bacias (territórios), como pequenos reservatórios em cada edificação privada e pública. “As ações que podem ser implementadas de forma descentralizada são mais baratas e podem ter papel muito eficaz para a diminuição das manchas de inundação”, diz. 

A revisão da legislação e a realocação de atividades também devem ser medidas em discussão. “Vai ser de novo e no mesmo lugar várias vezes e para sempre (as inundações). Para essas áreas, em que a solução não poderá ser feita pela diminuição da quantidade de água, a gente vai precisar encarar com seriedade um processo de realocação de usos e atividades”, afirma.




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