Prefeito de Santo André foi assassinado em 20 de janeiro de 2002, período que se iniciou ascensão do partido, hoje em queda política
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O Grande ABC completa hoje 14 anos sem Celso Daniel, prefeito petista de Santo André morto aos 50 anos, em 20 de janeiro de 2002, período semelhante ao início da ascensão política do PT, que chegou ao poder do Planalto naquele mesmo ano e hoje envolto na mais grave crise institucional de sua trajetória, após quatro gestões sequenciais em Brasília. À época, o chefe do Executivo andreense exercia o terceiro mandato à frente do Paço, reeleito no primeiro turno pouco mais de um ano antes, e recém-escolhido coordenador do programa de governo da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a primeira vitoriosa na esfera nacional.
Celso foi encontrado assassinado em estrada de terra em Juquitiba, na Grande São Paulo, alvejado por oito tiros, depois de dois dias de sequestro, com marcas de tortura. Até hoje, o crime é recheado de mistérios. Na ocasião, pelo posto ocupado, o ex-deputado federal era cotado a assumir cargo de destaque na União, em especial, por formular plano na área de inclusão social, que tornou-se bandeira da sigla. Apesar da ligação, o petista transcendia o PT. Apoiou Mário Covas (PSDB, morto em 2001) ao governo do Estado, por exemplo. Mas manteve a filiação durante toda sua história. Foi candidato derrotado à Prefeitura em 1982. Venceu todas as outras quatro eleições em disputa.
Desde a morte de Celso, mudanças no caminho partidário do PT, troca de valores e queda de confiança. Prefeito de São Bernardo pela sigla entre 1989 e 1992, Mauricio Soares (ainda integrante do petismo) apontou que a “diferença dentro desse período é gritante”. “Celso e eu vivemos a fase romântica do partido, com muito mais pureza e sua ideologia. O PT está muito diferente. O partido foi se tornando grande e colocando a obsessão ao poder na frente. O importante se tornou ganhar e na nossa época não tinha isso”, disse, ao lembrar atuação no Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, idealizado pelo andreense, em 1990. “Tinha liderança e visão. Por tudo que representava, ele certamente seria ministro de Lula e teria conduzido melhor os rumos do País e do partido.”
Primeiro prefeito eleito pelo PT em 1982 – dois anos após a criação da sigla –, o ex-chefe do Executivo de Diadema Gilson Menezes, hoje no PDT, frisa “desgosto” pela antiga casa. Segundo o pedetista, a cúpula ficou contaminada e perdeu a firmeza ideológica, com o objetivo de permanência no poder. “Perdeu a essência e abriu mão dos princípios. Deslumbrou-se com o poder. O dinheiro mexeu com a cabeça de muitos lá dentro e serviu para se locupletar (enriquecer). Vejo que o Celso, por sua conduta, poderia ter brigado pela manutenção da linha que o PT sempre lutou.”
Vice-presidente do PT paulista, Rozane Sena, a Zaninha, admitiu que depois de o PT assumir o comando do Brasil houve distanciamento da participação popular, mas ponderou que Celso “estaria satisfeito”, embora se reconheça as crises política e econômica, com o avanço das políticas públicas no setor social desenvolvidas no País. “Acredito que ele estaria contente. Não pela recessão, porém pelo patamar que alcançamos, de ações de igualdade de direitos. É claro que não sai na velocidade que gostaríamos. Alterações conceituais são difíceis, complicadas. O Celso já pensaria em saídas da crise, que é globalizada.”
Cientista político e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), Fernando Abrucio avaliou que a crise “se deve muito” por conta do desgaste de longo período no Planalto, “aparecendo mais os erros”. “Neste sentido, caberia aos dirigentes do partido resgatar diálogos com lideranças fundadoras dos anos de 1980 e 1990 para realinhar determinados posicionamentos. Mas considero que o partido só conseguirá fazer isso quando estiver fora do poder”. Francisco Fonseca, professor de Ciências Políticas da PUC, citou que o partido transformou-se no espectro político. “O PT nasceu no socialismo e, paulatinamente, foi para o centro-esquerda, jogando com o poder, sem enfrentar os grandes poderes.”
Episódio mantém duas conclusões distintas
O caso da morte do prefeito Celso Daniel (PT) ainda contém duas conclusões diferentes e mantém série de dúvidas sobre o episódio, já reaberto duas vezes, investigado pelo Ministério Público, pela Polícia Civil e até pela CPI dos Bingos, na Câmara Federal.
Para a Promotoria, o petista foi vítima de crime de mando, encomendado pelo amigo e ex-segurança Sérgio Gomes da Silva, o Sombra. Os promotores sustentam que Celso teria descoberto que esquema de corrupção na Prefeitura financiava não somente campanha eleitoral do PT, mas também era usado para enriquecimento pessoal dos envolvidos, além de sequestro simulado. Para a polícia, o crime foi comum.
Para o professor de Ciências Sociais da FGV (Fundação Getulio Vargas) Sérgio Praça, o PT mudou “muito menos” do que se imagina dentro do sistema. Ele avaliou que a modificação não se deu na maneira como o partido funciona, mas na percepção das pessoas sobre “mistura de corrupção com políticas públicas claras”. “O PT surgiu com ideais de esquerda, com redução da desigualdade (social). Levantava a bandeira da ética nas gestões Fernando Henrique (Cardoso, PSDB, 1995-2002). Hoje é impensável, depois de Mensalão e Petrolão, não relacionar o partido com desvio de dinheiro. O Celso não morreu em briga de bar. Teve motivações política e financeira.”
Na noite do sequestro, no dia 18 de janeiro, o prefeito estava em veículo Pajero blindado, na companhia de Sombra, retornando de restaurante na Capital. A porta do carro, segundo Sombra, se abriu e os criminosos, sem capuz, levaram Celso para cativeiro, local onde ficou seus dois dias derradeiros. A Justiça de São Paulo condenou seis dos sete acusados pelo crime, com penas que variam de 18 a 24 anos de prisão. Sete pessoas envolvidas direta e indiretamente com o caso morreram, em situações inusitadas.
No fim de 2014, o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou processo contra Sombra. A defesa conseguiu emplacar tese de que o empresário não teve amplo direito de defesa. Isso porque alegou que foi impedida de questionar dois réus em depoimentos à Justiça. O processo vai regredir às etapas iniciais. A instrução deverá ser refeita. Só depois de novos interrogatórios o juiz do caso decidirá se Sombra irá a julgamento.
Prefeito de Santo André, Carlos Grana (PT) destacou o legado deixado por Celso, relatando que alguns projetos estão tornando-se hoje realidade. Para o chefe do Executivo, a UFABC, governança regional e parque tecnológico são avanços cultivados desde as gestões anteriores petistas. “Era bússola, apontava caminhos.”
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