Local aclamado no passado, Moinho São Jorge e seu salão de festas aguardam tombamento
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Em Santo André, seja na Avenida dos Estados ou nas estações da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), é impossível não notar um colosso em forma de prédio, com grandes dizeres na fachada: São Jorge. Naquele espaço, hoje com portas cerradas, paredes pichadas e sinais de abandono, funcionava uma das mais importantes instalações moageiras do Brasil. Além disso, no topo do prédio, autoridades e celebridades se reuniam para grandes eventos em um dos espaços mais refinados do País, o Palácio de Mármore, tomado nos dias atuais pelo mato alto e pelas águas paradas das fontes. Atualmente fechado, o endereço vive processo de tombamento há mais de três anos, não finalizado por pendências jurídicas da empresa responsável.
Em reunião de 2021, o Comdephaapasa (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André) deliberou, de forma unânime, o processo de tombamento do Complexo Industrial Moinho São Jorge. O documento cita vitrais, painel em azulejos do altar e entalhes de mármore da Via-Sacra e outras imagens da Capela, parede de revestimento de pastilha vidro (vidrotil) com a figura de São Jorge na entrada do prédio e painel do salão de festas de autoria do pintor italiano Giulio Rosso (1897-1976).
O documento também deliberou pela abertura de um novo processo de estudo para preservação dos bens móveis, tais como mobiliário, obras de arte, maquinário e congêneres da atividade produtiva, arquivos, registros documentais e iconográficos. Ao Diário, a Prefeitura afirmou que a questão foi encaminhada para a Secretaria de Assuntos Jurídicos. “A Pasta está em tratativas relacionadas a pendências jurídicas da empresa junto à Prefeitura que, após solucionadas, permitirão que o processo de tombamento tenha andamento e seja finalizado”, diz o comunicado.
Para Priscila Perazzo, doutora em história social e professora na USCS (Universidade Municipal de São Caetano), há necessidade de tombamento do espaço, já que o Moinho São Jorge já se tornou um patrimônio cultural. Porém, ela aponta que é importante dar o devido valor de patrimônio ao bem, além de promover o uso pela sociedade. “O público que poderá voltar a frequentar o local, quando restaurado, dependerá do projeto cultural para o qual se voltará o bem. Isso tem que ser muito bem pensado em conjunto com os setores envolvidos para que o bem do patrimônio cultural não se perca e nem se esvazie”, avalia a docente. A equipe de reportagem do Diário buscou contato com a empresa, mas não obteve retorno.
O MOINHO
Entre o fim dos anos 1940 e 1950, houve um aumento na atividade moageira devido aos acordos comerciais dos Estados Unidos para exportar trigo excedente. O Moinho São Jorge foi construído nesse contexto para competir com empresas estrangeiras e se tornou um dos maiores moinho do Brasil em capacidade de estocagem e moagem. O pedido teria sido feito pelo presidente Getúlio Vargas, que, quando empossado, conclamou empresários para que se dedicassem à moagem do trigo.
Em 1952, os Irmãos Chammas – João Chammas e Antônio Adib Chammas – e o engenheiro José Marun Atalla iniciaram a construção do Moinho São Jorge. O projeto arquitetônico buscou atender às necessidades de moagem de trigo, com seções para limpeza, moagem e mistura, além de ensacagem e despacho. O edifício foi construído com capacidade para 60 mil toneladas de trigo.
Foi nos anos 1970 que o Moinho São Jorge enfrentou dificuldades devido a um incêndio que danificou equipamentos importados de moagem. Após o falecimento de José Marun Atalla e Antonio Adib Chammas, naquela década, a empresa não implementou muitas mudanças tecnológicas e foi afetada pela obsolescência. Atualmente, o Moinho São Jorge enfrenta dificuldades financeiras e está sem produção.
MIL E UMA NOITES
O salão de festas denominado “Salão das Mil e Uma Noites”, mas conhecido como Palácio de Mármore, era utilizado para atividades sociais e políticas, mas foi fechado em 1978, após a morte de Antônio Adib Chammas, e reaberto apenas em 1999 e 2015 para eventos especiais. O hall era revestido em mármore carrara italiano rosa, arandelas e madeira nobre no piso, com capacidade para 1.200 pessoas, além de pinturas artísticas que contavam a história do trigo.
Instalado no último pavimento do edifício, o local foi utilizado para atividades políticas com visitas de presidentes, governadores, ministros e secretários de Estado. Além delas, programavam-se festividades para integrantes do mundo das celebridades e autoridades internacionais, como o imperador da Etiópia, Hailé Selassié, e o pianista Ray Charles. Também era alugado para atividades de formatura, bailes e concursos. A professora aposentada Maria Amélia Ferreira Perazzo, 83 anos, é uma das pessoas que frequentavam o espaço durante os anos 1950 e 60. Andreense, ela narra que os convidados do antigo espaço de bailes tinham que pegar os elevadores e escadas da fábrica para chegar ao destino, e que, ao fim do percurso, os sapatos e roupas ficavam sujos de farinha.
“Apesar disso, era salão magnífico e elegante, com as mesas ao redor, onde as jovens se sentavam, e no outro canto havia o bar, onde a maioria dos rapazes ficava até tirar as meninas para dançar, e no centro havia o salão de baile”, relata Maria Amélia.
Além deste espaço, havia ainda capela dedicada a São Jorge, que também foi inaugurada em 1959 e sediou várias atividades religiosas.
PROJETO DE TCC RESGATA MEMÓRIA
As jornalistas Deisy Costa e Viviane Bucci, ambas com 22 anos, resgataram as memórias do Moinho São Jorge, de Santo André, em seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na USCS (Universidade Municipal de São Caetano).
Fundado em 1953, o São Jorge foi importante instalação moageira no Brasil, contribuindo para a produção de farinha de trigo. Apesar de enfrentar desafios, como incêndios e dificuldades financeiras, teve um papel crucial na industrialização e cultura da região, devido ao seu salão de festas.
Em 2023, as então estudantes lançaram o projeto Recontando, que pode ser acessado através do link https://recontando.wixsite.com/recontando. A reportagem multimídia produzida pela dupla conta, por meio de textos, imagens, infográficos e áudios, o desenvolvimento da história do Moinho São Jorge, além de outras empresas da região. O site apresenta ainda um podcast explorando a memória do endereço.
“Foi extremamente gratificante poder conversar com pessoas que viveram em outra época e ouvir suas histórias”, avalia Viviane, que diz ter enfrentado dificuldade para encontrar as fontes.
Já Deisy revela que a curiosidade surgiu ao passar de trem atrás do moinho. Durante a pesquisa, ela conta ter concluído que o moinho não apenas “contribuiu para o desenvolvimento de Santo André, mas também para o do Brasil”.
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