Setecidades Titulo Contigência em questão
Grande ABC tem todas cidades classificadas em risco de desastres ambientais

Levantamento do governo federal aponta que 288.248 moradores da região residem em áreas de perigo para deslizamento, enxurrada e inundação

Thainá Lana
27/05/2024 | 08:15
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Banco de Dados/DGABC

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As sete cidades do Grande ABC estão localizadas em áreas de risco recorrente para desastres ambientais, como deslizamentos de terra, enxurradas e inundações. Os municípios da região foram classificados em levantamento realizado pelo governo federal, que apontou que 1.942 cidades do Brasil (uma em cada três), sendo 172 no Estado de São Paulo, estão sujeitas às ocorrências desta natureza.

Na região, 288.248 moradores residem em áreas de perigo em cinco municípios – o estudo não apresentou os dados de São Caetano e Ribeirão Pires (veja dados na arte ao lado). Em 2019, a região registrou uma das piores enchentes da história, que deixou dez mortos e 284 pessoas desabrigadas.

Segundo as prefeituras de Santo André, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, em 10 anos, de 2003 a 2023, foram contabilizadas 12 mortes, 1.240 imóveis interditados e 217 famílias desabrigadas – esses números são muito maiores, porém, já que os Paços de São Bernardo, São Caetano e Mauá não informaram os dados, apesar de sofrerem frequentemente com enchentes e deslizamentos.

O estudo foi publicado em abril deste ano e foi realizado em razão das obras previstas para o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que prevê investimentos em infraestrutura em todo o País. No Grande ABC, 14 projetos foram selecionados em Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá para urbanização de favelas, regularização fundiária e contenção de encostas.

Além das mudanças climáticas provocadas pela ação humana, que têm intensificado os desastres ambientais (leia mais abaixo), o intenso e acelerado processo de urbanização das cidades é uma das principais causas de inundações, segundo explica a professora de Hidráulica e Drenagem da UFABC (Universidade Federal do ABC), Melissa Graciosa.

A docente conta que historicamente os bairros foram sendo criados em fundos de vale e sobre os rios, por conta da atividade econômica gerada no entorno. “Essas novas partes, que antes tinham o regime natural de cheia, e também foram impermeabilizadas, passam a produzir mais expoentes, e isso vai parar no rio. Quando a chuva cai em uma bacia hidrográfica e as planícies estão ocupadas por cidades, a água vai crescendo e subindo em direção às partes mais altas”, diz.

A docente cita como exemplo a Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Bernardo, construída por cima do Ribeirão dos Meninos, principal afluente do Tamanduateí. “Ocupamos os espaços das águas e, com as mudanças climáticas e as inundações intensificadas, as águas vêm tomar o espaço dela de volta.”

Melissa esclarece ainda a diferença entre as bacias hidrográficas dos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, que registrou neste mês uma das piores enchentes da história, com 163 mortos, 72 pessoas desaparecidas e 647 mil desabrigados – 467 dos 497 municípios do estado gaúcho foram afetados.

“As características das bacias hidrográficas são diferentes. No Rio Grande do Sul, a área é maior e a formação de cheia é lenta, ou seja, vai enchendo ao longo dos dias e o tempo de concentração da água é maior e pode durar semanas para escoar. Enquanto o rio Tamanduateí, por exemplo, que cruza os municípios da região, forma cheias mais rápidas, mas também tem um tempo de escoamento menor. O que as duas regiões têm em comum é que as pessoas que vivem próximas às áreas de várzea estão sujeitas às enchentes e sempre estarão”, finaliza a professora.

Populações pobres são mais afetadas pelos eventos climáticos

Segundo o levantamento do governo federal, as populações pobres são mais suscetíveis a sofrerem com os desastres ambientais no Brasil por conta da urbanização desordenada e da segregação sócio-territorial. “Essas áreas são habitadas, de forma geral, por comunidades de baixa renda e que têm poucos recursos para se adaptarem ou se recuperarem dos impactos desses eventos (inundações, deslizamentos e enxurradas), tornando-se mais vulneráveis a tais processos”, destacou a nota técnica do estudo.

Fernando Rocha Nogueira, geólogo, professor da UFABC e pesquisador do LabGRis (Laboratório de Gestão de Risco) da universidade, ressalta que a desigualdade social e econômica mantém essas pessoas em comunidades por décadas. “O modelo de cidade se desenvolveu no Brasil com as avenidas sendo construídas nos fundos dos vales e as pessoas mais pobres ocupando as encostas dos morros por conta do custo dos terrenos. Famílias que vieram para trabalhar nas indústrias do Grande ABC ainda moram nesses locais de risco. As favelas são feridas expostas dos meios urbanos e escancaram a desigualdade orçamentária dos municípios em relação às regiões centrais”, afirma o especialista.

No Grande ABC, 270.150 imóveis estão localizados em áreas de risco, sendo 247 mil edificações em locais com potencial perigo para deslizamento e 23.302 para inundação, de acordo com o mapeamento mais recente da região feito pelo IG (Instituto Geológico), em 2020.

A professora de Hidráulica e Drenagem da UFABC, Melissa Graciosa, alerta sobre a necessidade de desocupação das áreas consideradas de risco. “As pessoas acham que conviver com o risco é deixar as pessoas morando na margem dos rios ou em encostas. Essas famílias não têm que ser removidas e sim realocadas, é responsabilidade do poder público garantir moradia segura para essas pessoas, é um direto constitucional”, conclui. 

‘O Grande ABC não está preparado para enfrentar alto volume de chuva’

“O Grande ABC não está preparado para enfrentar alto volume de chuva, na verdade, nenhum município do País está. Não tenho conhecimento de planos antecipatórios a desastres, o que temos são ações e medidas de resgate, para depois que ocorre o desastre.” A análise é de Fernando Rocha Nogueira, geólogo, professor da UFABC e pesquisador do LabGRis.

O especialista reforça que a região possui amplos estudos técnicos sobre gestão de risco, mas que precisam ser atualizados. “São novas condições climáticas e, para enfrentar, é preciso criar novas políticas municipais, não bastam só aquelas informações, a forma de fazer a gestão de risco mudou. As obras indicadas há dez anos talvez já não sejam tão suficientes e não estamos preparados para enfrentar altos volumes pluviométricos como aconteceu neste ano no estado do Rio Grande do Sul ou no Litoral Norte em 2023”, alerta Nogueira.

Entre as principais medidas que devem ser adotadas pelo poder público para conter os riscos estão o amplo monitoramento das condições climáticas, sistema de alerta preciso para população e ações estruturais de drenagem urbana, segundo elenca a professora de Hidráulica e Drenagem na UFABC, Melissa Graciosa.

“As pessoas estão procurando uma bala de prata que não existe para o problema. O que existe é um conjunto de ações integradas e coordenadas que vão mitigar o risco e reduzir o dano. Assim como outros países convivem com desastres ambientais, como furacões e terremotos, por exemplo, precisamos nos adaptar às mudanças climáticas, provocadas por esse desarranjo no clima global”, diz Melissa.

“Quando temos alteração no clima, acontece a intensificação de fenômenos que seriam naturais. Além da alteração nas temperaturas, as mudanças climáticas também interferem na drenagem urbana, porque as obras foram projetadas para suportar certo volume de chuva, e hoje o índice pluviométrico é mais elevado”, finaliza a docente. 

Prefeituras investem em manutenção, obras de drenagem e planos de contingência

Para tentar combater as enchentes, as Prefeituras da região afirmaram que investem durante o ano em ações de zeladoria, como manutenção e limpeza de bocas de lobo, galerias de águas pluviais e córregos, além de obras de drenagem e planos de contingência.

Desde 2019, ano da pior cheia registrada no Grande ABC, o município de Santo André informou que realizou revisões e melhorias dos planos de contingência, como instalações de câmeras de monitoramento, pluviômetros e bueiros inteligentes, além da criação do Centro de Resiliência às Emergências de Defesa Civil, entre outras iniciativas.

“Outra ação de enfrentamento é o uso de inteligência artificial para prever e alertar, com maior antecedência, o surgimento de eventos climáticos e meteorológicos na cidade, como riscos de deslizamento, enchente e alagamento”, destacou o Paço andreense. Entre 2019 e 2023, a Prefeitura investiu R$ 37 milhões em ações de drenagem, obras e outras medidas. Para este ano está previsto o valor de R$ 114 milhões.

Diadema ressaltou que são promovidas uma série de intervenções e monitoramentos das áreas de risco que visam combater enchentes e garantir a estabilidade de taludes e encostas. “Estão sendo investidos cerca de R$ 14,4 milhões no recapeamento de mais de 140 vias, o que inclui melhorias de sarjetas e acessos às bocas de lobo, quando necessário.” O município vai assinar em breve dois contratos do Novo PAC que vai destinar R$ 200 milhões para urbanização em núcleos habitacionais. As intervenções incluem obras de drenagem urbana.

Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra pontuaram que fazem o desassoreamento nos rios e córregos das cidades. “A Prefeitura também realizou a canalização de cursos d’água, com intenção de impedir a cheia dos córregos. Em 2023 foram 75 quilômetros de limpeza”, esclareceu a Prefeitura da Estância Turística. São Bernardo, São Caetano e Mauá não informaram as ações promovidas nos municípios. 




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