Setecidades Titulo Apesar do melhor desempenho
Rio Grande da Serra nega vaga a professor com esquizofrenia

Portador da doença passou em concurso e enviou documentação, mas acabou sem poder assumir posto por decisão da Prefeitura

Lays Bento
27/05/2024 | 08:15
Compartilhar notícia
FOTO: Reprodução/Arquivo Pessoal

ouça este conteúdo

Em um recrutamento de 40 professores de educação básica por concurso público, a Prefeitura de Rio Grande da Serra atendeu ao edital, convocando um único profissional com deficiência: Rony Gomes, 43 anos. Apesar de o candidato ter encaminhado laudo médico no período de inscrições e de ter obtido o melhor desempenho na prova que o levaria à convocação, o profissional foi informado somente na entrega dos documentos finais que não poderia ocupar o cargo, já que a sua deficiência em questão era a esquizofrenia. 

No edital, lançado em abril de 2023, não havia descrição que afastasse essa deficiência. “Meu problema está controlado. Meu diagnóstico veio em 2009. Desde então, os remédios, exames e consultas estão em dia. Entreguei à Prefeitura um laudo que comprova justamente isto”, ressalta Rony, que trabalha temporariamente como vigilante. 

Formado em pedagogia, Rony, que reside em Ribeirão Pires, já foi professor na rede pública de Santo André, com aulas eventuais de Geografia – também teve passagem como educador voluntário no projeto Escola da Família. “ Em um mundo cheio de estigmas, imaginei que havendo espaço no edital para PCD, poderia ser mais fácil de ser aprovado”, desabafa. 

Rony reforça que, conforme solicitado em edital, um laudo médico da doença foi anexado no período de inscrições. “Comemorei a aprovação. Passou um tempo e primeiro disseram que faltavam documentos. Depois descobri que a questão era a esquizofrenia, quando conversei com a secretária (de Administração de Rio Grande da Serra, Alexsandra Aguiar ).” 

Em entrevista ao Diário, Alexsandra confirmou que não sabia antes do episódio que esquizofrenia se enquadrava na modalidade de pessoas com deficiência. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei nº 13.146/2015, pessoas com esquizofrenia paranoide podem ser consideradas PCD.

“No concurso em si não tem como prever todas as deficiências existentes. Quando ele provou a nós o CID e olhamos quais os problemas de uma pessoa com esquizofrenia assumir uma sala, houve insegurança na nomeação. Levantamos dúvidas sobre a segurança das crianças de 4 a 6 anos junto a alguém que possa ter surtos psicóticos. Mas cada situação é única, este caso gerou dúvidas para muitas pessoas da Prefeitura”, diz.

Questionado pela conduta, o Instituto Mais, organizador da prova, disse em nota que “após a homologação dos resultados finais do concurso público, por contrato, não tem qualquer envolvimento nos procedimentos de convocação e nomeação dos candidatos aprovados”.

Sobre o caso de Rony, a secretária diz ainda que, em tese, o aprovado não está impedido de assumir o cargo. “A convocação não foi indeferida, está em análise técnica.” Seis meses após a aprovação publicada no Diário Oficial, todos os profissionais que passaram no concurso juntamente cm Rony já ocupam os devidos postos. 

Médico e advogado anuem admissão

Entre as alegações da Secretaria de Administração rio-grandense está a questão de que o laudo apresentado por Rony seria inconclusivo. O Diário conversou com o médico responsável pelo atestado, emitido em uma clínica popular de Mauá e que foi entregue em 14 de dezembro à Prefeitura. 

O psiquiatra André Sigolo reitera que “a Prefeitura tem todo direito de achar (o atestado) inconclusivo, sendo a palavra final a da junta que analisa as possibilidades de admissão”. Para ele, a inscrição dentro da cota, entretanto, torna a aceitação “interessante”. 

“É muito comum que queiram uma resposta definitiva, mas não tenho onisciência. O laudo final para esquizofrenia é com seis meses de tratamento”, acrescenta.

O profissional explica que a esquizofrenia se caracteriza pela fragmentação da realidade e personalidade do portador, com pacientes que não conseguem captar nuances. “Isto varia em grau de agressão prévia ao sistema nervoso e da aderência do paciente ao tratamento e seu estilo de vida. A gente não pode excluir todo mundo. Pode ser professor? Pode. Mas com muita atenção ao tratamento”, finaliza. 

Rony reiterou não ter recebido nenhuma atualização do caso pela Prefeitura e alega não ter sido orientado da possibilidade de obter um documento conclusivo em longo prazo. 

Segundo Antonio Darcie, advogado são-caetanense, o caso é de fato complexo. “No ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar a um candidato com esquizofrenia que havia sido excluído de um concurso à Prefeitura de São Paulo”, diz.

“Sobre a conduta de Rio Grande, não entendo como negligência, mas sim como uma arbitrariedade no indeferimento”, afirma ele, ao citar ainda que “a pessoa com deficiência não deve sofrer nenhuma espécie de discriminação”.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.
;