Legislação prevê três anos de espaço entre óbito e processo; apenas 9% dos falecidos foram retirados
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Passados mais de três anos desde o início da pandemia de Covid-19, que gerou despedidas com caixão lacrado e com sepultamentos instantâneos para evitar aglomerações, proliferação e contágio pela doença, os corpos dos falecidos começaram a ser exumados após Nota Técnica divulgada pelo Ministério da Saúde. No documento, a Pasta estipula tempo mínimo de três anos para a ação e recomenda que, em caso de não esqueletização, o corpo seja retornado ao caixão e a sepultura seja fechada de imediato. No Grande ABC, a retirada do falecido aconteceu em apenas 9% das exumações.
De 15 de março de 2020, dia do primeiro óbito na região, até 17 de abril deste ano, quando o documento foi publicado, 12.385 pessoas morreram em decorrência da Covid-19 nas sete cidades. Santo André informou que, no cemitério Nossa Senhora do Carmo (Curuçá), onde há jazigos provisórios, as exumações seguiram as recomendações vigentes e estabelecidas no decreto estadual N° 16.017/80.
“Não existe um tempo máximo que o corpo pode permanecer em uma sepultura temporária (pública), o tempo dependerá se o corpo está íntegro ou decomposto, que aí, sim, possibilita a sua transferência para um ossário”, disse a Prefeitura. Já foram feitas 110 exumações de corpos com morte por Covid-19 ou suspeita na cidade, com 95% (104), encontrando-se em estado íntegro, permanecendo na sepultura por mais três anos.
Conforme cita o decreto estadual citado pelo Paço de Santo André, de 4 de novembro de 1980, o prazo mínimo para a exumação de corpos é fixado em três anos, contados da data do óbito, e em dois anos no caso de criança, até a idade de seis anos. Para simples deslocamento, dentro do mesmo cemitério, nos casos de construção, reconstrução ou reforma de túmulos, a legislação diz que “deve-se aguardar um prazo mínimo de 60 dias”. Ambos os itens estão presentes na nota de abril, do governo federal.
Segundo Ivan Miziara, especialista em Medicina Legal e Perícia Médica, e professor da disciplina de Medicina Legal da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), os corpos foram enterrados segundo os procedimentos de segurança naquela época. Para ele, é necessário observar que havia ainda certo desconhecimento do comportamento do vírus à época, o que gerou novas medidas de precaução. O especialista aponta que o período adequado é o recomendado na Norma Técnica, com tempo mínimo para exumação estipulado em três anos após a morte, seguindo o modelo usado no Estado de São Paulo desde 1980.
“Em toda exumação, a manipulação deve ser feita com o uso de equipamentos de proteção adequados, independentemente se a morte se deu pela doença ou qualquer causa”, diz Miziara. Porém, o professor destaca a importância dos dispositivos anunciados pelo poder público para precaução e proteção das “pessoas envolvidas na manipulação desses corpos, principalmente trabalhadores da área da saúde e de serviços funerários”.
O cenário visto na cidade andreense, que segue a avaliação do especialista, é o mesmo em Diadema. No município, o tempo mínimo para exumação é de três anos. Após esse período, se o corpo ainda não estiver pronto, o mesmo é reinumado por mais dois anos e assim sucessivamente. Na cidade, a primeira exumação referente aos casos de Covid-19 foi feita no dia 1° de abril deste ano, e desde então, foram realizadas 288, sendo que apenas 29 corpos – cerca de 10% – estavam prontos para serem guardados em ossuário.
Em Mauá o processo de exumação das vítimas de Covid-19 já foi iniciado, porém, o Paço não informou números totais. “Em 20% dos casos, foi possível concluir. Para o restante, o prazo foi prorrogado por mais três anos”, disse a Prefeitura. Ribeirão Pires informou que a exumação está sendo realizada no período de cinco anos devido o local ser de alta umidade, e que, por isso, não foram realizados exumações de Covid-19.
Em jazigos perpétuos, é a família que decide quando e se é necessária a exumação, assim como em espaços privados. Os Paços de São Bernardo, São Caetano e Rio Grande da Serra não retornaram os questionamentos.
Segundo o Ministério da Saúde, não é mais necessário cuidados especiais com o sepultamento de mortos com Covid-19, já sendo possível realizá-lo igual a óbitos convencionais, se a pessoa estiver fora dos períodos de transmissibilidade da doença. Em documento publicado em abril, a Pasta diz que “os velórios podem ser realizados por maior período de tempo, inclusive com a utilização de urna funerária aberta; e os procedimentos relacionados ao sepultamento, ao embalsamamento e ao traslado podem ser realizados analogamente aos óbitos não associados à Covid-19”.
Além do plástico, decomposição depende de muitos fatores, diz especialista
No início da pandemia da Covid-19, em 2020, havia preocupações significativas com a possibilidade de o vírus ainda ser contagioso após a morte. Buscando evitar riscos à saúde pública e fortalecer protocolos de segurança, medidas foram anunciadas para proteger os trabalhadores funerários e o público, incluindo o enterro dos corpos em caixões fechados e lacrados em plástico para minimizar a exposição ao micro-organismo.
Em abril de 2023, porém, os corpos dos falecidos começaram a ser exumados após Nota Técnica divulgada pelo Ministério da Saúde, que definiu diretrizes para o procedimento. Com muitos dos enterrados ainda não estando com o processo de esqueletização completo, levantou-se a discussão sobre o impacto das medidas, principalmente a relacionada ao invólucro plástico (proteção), no processo de decomposição.
Vinícius Chaves de Mello, profissional do segmento funerário e de cuidados com o luto há mais de 27 anos, e CEO do Grupo Riopae de serviços funerários desde 2014, revela que o tipo de saco utilizado no enterro de mortes por Covid-19 é o tradicional, de polímero derivado de petróleo, e que mesmo sua presença não gera impacto significativo na decomposição, já que também existe a questão microbiológica, consumindo o corpo de forma mais lenta ou rápida.
Conforme explica Vinicius, questões ambientais, o solo e a umidade, por exemplo, fazem com que o corpo fique um pouco mais protegido e não sofra tanto com as interferências externas, contudo, existem vários componentes que interferem no processo de decomposição, como os organismos decompositores. Por isso, em alguns casos, corpos conseguem se decompor em três anos, mesmo estando no saco plástico ou até mesmo em urnas zincadas.
“Depende de uma série de fatores, como as condições ambientais, a profundidade da sepultura, a presença de organismos decompositores, a causa da morte e a composição corporal. Portanto, não há um tempo exato ou universal para a decomposição de um corpo. Cada fase de decomposição possui uma estimativa aproximada. Por exemplo, o inchaço após o falecimento pode durar de dias até semanas. Da mesma forma, a putrefação, que pode durar semanas ou meses”, finaliza o CEO.
Conforme explica Vinicius, antes de se iniciar a exumação, é necessário obter uma autorização. Uma equipe de profissionais, que pode incluir médicos legistas, técnicos de necropsia e coveiros, se prepara para a ação. Eles devem estar utilizando todos os equipamentos de proteção individual. Com a autorização e os procedimentos de segurança adequados em vigor, a equipe começa a abrir o túmulo. Isso geralmente envolve a remoção do solo e/ou da lápide do túmulo. Com o túmulo aberto, os restos mortais são cuidadosamente removidos, ou retornados, em caso de não estarem em processo de esqueletização.
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