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Aos 74 anos, casado com uma mulher que ainda nao chegara aos 30, desfrutava a glória e a placidez dos conquistadores. Afinal, impôs a valsa ao mundo e fez dela o maior símbolo do império austro-húngaro do rei Francisco José. Até hoje, Viena conserva a tradiçao de marcar a passagem do Ano Novo com um grande concerto público a cargo de sua filarmônica e sempre regida pelas maiores estrelas da batuta no planeta. No repertório, apenas obras dos Strauss. Do pai Johann, que desbravou o caminho para a louca e popularíssima dança em três tempos, e do filho, que fez o mundo curvar-se diante dela. Juntos, pai e filho compuseram mais de 5 mil peças, entre valsas, polcas, marchas etc.
Elvis do século XIX - Pode parecer exagero classificar Johann Strauss II dessa forma aparentemente desrespeitosa. Mas alguns indicadores de sua carreira podem ajudar a construir para ele uma figura tao poderosa, em termos de popularidade, quanto a de Elvis Presley. Em 1872, por exemplo, a cidade de Boston, nos Estados Unidos, promoveu um Festival da Paz (os americanos haviam saído poucos anos antes da Guerra da Secessao). E queria ter a presença, em Massachusetts, do rei da valsa. Após meses de negociaçoes malogradas, fez a chamada oferta irrecusável: US$ 100 mil para uma série de apresentaçoes na cidade. Strauss II, que detestava viajar para qualquer lugar, até mesmo perto, como de Viena a Paris, acabou seduzido. Afinal, US$ 100 mil em 1872 equivaleriam seguramente, hoje, a uma soma bem superior a US$ 1 milhao. Mesmo assim, exigiu pagamento antecipado, em sua conta corrente do Anglo-Bank de Viena, e que todas as despesas de viagem, alimentaçao e hospedagem dele, de sua mulher e de seu cachorro, fossem pagas pelos americanos.
Em troca desta fortuna, Strauss II participou de um megashow em Boston que nao deve nada aos atuais de rock. Ele regeu, coadjuvado por uma centena de sub-maestros, digamos assim, uma orquestra de 2 mil músicos e um coral de 20 mil cantores. Público estimado por jornalistas que cobriram o evento: 100 mil pessoas. E, claro, o 'Danúbio azul' encabeçava o programa. Importunado pelas fas no hotel, que lhe pediam fios de seus negros cabelos, Strauss II cortou os pêlos de seu cachorro para atender aos pedidos.
Viena nao é séria - O duro juízo saiu da boca de Frederic Chopin em visita datada de 1830: "De fato", lamentava o compositor polonês que acabaria se dedicando ao gênero da valsa, só que com outro nível de invençao, "nao há público para a música séria em Viena atualmente. As pessoas perderam o gosto pela grande música. Os Strauss e os Lanner nivelam tudo por baixo!".
Nem todos os chamados representantes da grande música ficaram tao perplexos. Houve quem enxergasse que ali nascia a música popular tal como conhecemos hoje. Uma música de massa, feita de encomenda para as pessoas dançarem, com melodias que podem ser assobiadas com facilidade. Richard Wagner, por exemplo, deixou-se levar pelo encantamento físico que a música de Strauss provoca: "Nao esquecerei jamais a recepçao histérica do público a cada uma das peças de Strauss. Um novo demônio parece se apoderar do populacho vienense quando Strauss ataca uma nova valsa. Nao há dúvida que estes frissons de prazer que os sacodem devem-se muito mais à música que ao vinho, e é impressionante o frenesi que sentem pela música deste mestre mágico". Wagner captou a mensagem, nao acham?
O sucesso do pai em toda a Europa, no entanto, nao impediu que ele quisesse frustrar a carreira musical do filho. Colocou-o na Escola Politécnica, mas o menino gostava tanto de música - ele estudava com um organista chamado Drechsler - que foi pego numa aula de contabilidade compondo uma fuga. E, ensaiando no órgao da igreja, foi pego pelo professor tocando uma valsa - indecência inominável. "Mas professor, eu comecei tocando uma fuga, e sem querer ela se transformou numa valsinha".
Já com 19 anos, Johann II decidiu estrear como compositor e regente à revelia do pai. E sabem o que o velho fez? Primeiro, fechou as portas de todos os saloes de baile da cidade, interferindo pessoalmente por meio de seu empresário, e ameaçou os donos dos saloes de nao mais se apresentar naqueles lugares se contratassem o filho. Mas Johann II conseguiu uma data num Cassino nos arredores de Viena. Mesmo assim, Johann I contratou uma claque de 50 pessoas só para apurar e vaiar o menino. De nada adiantou. Na primeira valsa - 'Coraçao de mae', dedicada à mae Anna, abandonada pelo pai -, Johann II foi tao ovacionado que teve de bisá-la por dezenove vezes.
Pai e filho foram autênticos "fabricantes de valsas", como os caracterizou um jornalista da época. Talvez, há um século, músicos claramente populares com os Strauss nao sofressem na carne um preconceito tao forte quanto o que hoje praticam os músicos ditos clássicos com seus colegas "fabricantes de música". Tanto que, morto no dia 3 de junho de 1899, Johann Strauss II, o rei da valsa, foi enterrado no cemitério de Viena, tendo à direita Franz Schubert, morto em 1828, o compositor boêmio do início do século XIX e responsável pelas mais animadas noitadas vienenses regadas a vinho e música; e, à esquerda, um grande amigo, que sempre lhe deu muita força e também compôs valsas: ninguém menos do que Johannes Brahms, falecido dois anos antes.
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